Medo do mundo

Confundindo compaixão com desespero

Bombeiros ajudando alguém.
Foto por Ajay Jayne

Esta palestra apareceu originalmente em Canto do Café da Manhã do Bodhisattva e foi editado para o Despertando Mulheres Budistas blog.

Há muita coisa acontecendo nos noticiários hoje em dia, o que pode levar pessoas ponderadas a refletir sobre o estado do mundo. Geralmente, porém, não sabemos como fazer isso de maneira hábil. Para muitos de nós, refletir sobre o estado do mundo cria um estado de angústia e nossas mentes ficam tensas e com medo.

Dentro desse medo há muito “apego ao eu”, que às vezes confundimos com compaixão. Pensamos: “Quando olho para o mundo e vejo tanto sofrimento, sinto compaixão pelas pessoas”. Mas, na verdade, estamos infelizes, sentindo uma sensação de desespero, medo, depressão e assim por diante. Isso não é compaixão genuína. Não reconhecendo isso, algumas pessoas ficam com medo de sentir compaixão, pensando que isso só nos faz sentir mal. Este é um pensamento perigoso, porque pode levar-nos a fechar o coração aos outros.

A compaixão se concentra no sofrimento dos outros, mas quando sentimos desespero e medo, nos concentramos em nosso próprio sofrimento. Portanto, ficar deprimido ao ver o sofrimento do mundo não é indicativo de compaixão. Em vez disso, caímos em angústia pessoal. É útil perceber isso quando parece que estamos entrando nesse estado de desespero.

Uma visão distorcida

Quando Sua Santidade o Dalai Lama estava em Seattle em 1993, muitos jornalistas assistiram a sua palestra pública. Ele lhes disse: “Vocês fazem muitas coisas boas. Às vezes você tem nariz comprido. Você procura todas as coisas perversas que as pessoas estão fazendo e as aponta. E isso é bom.” Em outras palavras, a imprensa revela escândalos e assim por diante e, dessa forma, impede o mal.

Ele continuou: “Mas às vezes você se concentra demais no negativo. Quantas pessoas em uma cidade são assassinadas todos os dias? Às vezes ninguém; às vezes um. Mas o que acontece se uma pessoa for morta na cidade? Isso fica nas primeiras páginas, por toda parte. Todo mundo está chateado com isso! Mas as coisas boas que as pessoas fazem umas pelas outras raramente aparecem na primeira página.”

É verdade, não é? De vez em quando, um filantropo deixa dinheiro para uma instituição de caridade em seu testamento, e isso acaba na primeira página. Mas na maioria das vezes a mídia enfatiza coisas que nos deixam com medo. Quando lemos o jornal ou assistimos ao noticiário, temos uma visão muito distorcida do mundo, porque vemos apenas as coisas prejudiciais que as pessoas fazem umas às outras. As notícias não relatam todas as coisas úteis, e há muitas delas.

Vendo a bondade dos outros

Bombeiros ajudando alguém.

Todo o nosso mundo funciona apenas porque as pessoas se ajudam. (Foto por Ajay Jayne)

Se você olhar em uma cidade, em um dia quantas pessoas são atendidas por profissionais de saúde? Um número incrível! Quantas pessoas recebem ajuda dos professores nesse dia? Tantos adultos e crianças! Quantas pessoas estão ajudando outras consertando seus carros, telefones ou computadores? Se olharmos para qualquer vila, cidade ou área rural, as pessoas estão se ajudando o tempo todo. Tomamos isso como certo e quase não notamos. Precisamos passar mais tempo refletindo sobre a gentileza que recebemos dos outros a cada dia, bem como sobre a gentileza que vimos em geral. Todo o nosso mundo funciona apenas porque as pessoas se ajudam. Nenhum de nós poderia fazer isso sozinho.

Mantendo uma visão equilibrada

Sugiro que, se sofremos de medo e desespero sobre o estado do mundo, temos uma visão distorcida e desequilibrada do que está acontecendo. É claro que isso não significa que digamos: “Oh, tudo é alegre e maravilhoso. Não há problemas.” Isso não é verdade. Mas podemos ver que existe uma base contínua de gentileza e bondade neste mundo. Podemos prestar atenção a isso, ser inspirados por isso e usá-lo para nos motivar a aumentar nossa bondade para com os outros.

Também podemos apontar para as pessoas ao nosso redor como elas ajudam os outros. Dessa forma, eles verão sua própria bondade, que os inspirará. Também podemos apontar a gentileza que recebemos de estranhos. Tudo isso é inspirador. Em outras palavras, em vez de focar apenas nos problemas e sofrimentos do mundo, treinamos nossa mente para ver também a bondade e a ajuda que as pessoas dão umas às outras.

Quando estamos com medo do estado do mundo, podemos nos perguntar: “Estou vendo as coisas corretamente? A violência é tudo o que está acontecendo?” Mesmo em meio à tragédia, as pessoas se ajudam. Vamos tentar tornar nossas mentes mais equilibradas. Reconhecemos que uma situação pode ser horrível, mas também lembramos que há muita bondade também. Ao reconhecer que ainda há bondade no mundo, podemos ter a chance de mudar as coisas horríveis.

Quando nos concentramos apenas no que é horrível, afundamos no desespero. Quando somos vencidos pelo desespero, nem tentamos mudar nada. Portanto, é muito importante ver a bondade. Em seguida, deixe o medo ir e, em vez disso, alcance os outros com o coração aberto.

O vídeo desta palestra pode ser encontrado aqui.

Venerável Thubten Chodron

A Venerável Chodron enfatiza a aplicação prática dos ensinamentos do Buda em nossas vidas diárias e é especialmente hábil em explicá-los de maneira facilmente compreendida e praticada pelos ocidentais. Ela é bem conhecida por seus ensinamentos calorosos, bem-humorados e lúcidos. Ela foi ordenada como monja budista em 1977 por Kyabje Ling Rinpoche em Dharamsala, Índia, e em 1986 ela recebeu a ordenação de bhikshuni (plena) em Taiwan. Leia sua biografia completa.